“Essa geração não quer saber de trabalhar.”
“Na minha época, ninguém precisava de reconhecimento para fazer o básico.”
“Eles vivem no celular, mas não conseguem dar um bom dia presencial.”
Frases como essas se tornaram quase um hino geracional dentro das empresas. E talvez você já tenha ouvido ou até dito alguma delas.
O que elas revelam, no entanto, não é apenas um conflito entre as diferentes gerações, mas um sintoma de algo mais profundo: a dificuldade de liderar em um cenário onde convivem diferentes culturas, linguagens, expectativas e tecnologias.
Imagine duas pessoas entrando na mesma empresa. A primeira, Millennial de 35 anos, já passou por startups e grandes corporações. Valoriza o propósito, quer feedback constante e busca um líder que inspire, não que apenas mande.
A segunda, da Geração Z, tem 22 anos e cresceu com inteligência artificial, memes e ativismo digital. Espera autonomia desde o primeiro dia e acredita que o WhatsApp pode ser tão formal quanto um e-mail – se a mensagem for clara e humana.
Agora, coloque essas duas pessoas em um ambiente onde dados fluem mais rápido que decisões, onde algoritmos antecipam comportamentos, e onde um robô pode ser seu colega de equipe. Quem lidera esse cenário? E como?
Bem-vindo à era da Liderança 4.0! Um ecossistema onde pessoas e tecnologia não competem, se complementam. Onde liderar não é mais sobre controle, mas sobre conexão. Não é sobre saber tudo, mas sobre saber escutar.
Liderar diferentes gerações é como reger uma orquestra em tempo real, onde os instrumentos mudam a cada novo update e o maestro precisa ser tão ágil quanto empático.
Durante o último Talk da Inbix, o tema “Liderança 4.0: conectando pessoas e tecnologia” colocou em pauta exatamente essa realidade híbrida em que os líderes atuais estão inseridos. E trouxe à tona uma pergunta crucial: como liderar de forma estratégica e humanizada em um cenário cada vez mais digital e multifacetado?
Liderar é humano — e tecnológico
A gerente de projetos Sara Pavarini, da Niké Gestão Humanista, abriu sua fala com uma provocação direta: “Vocês estão gastando em ações pontuais que não geram engajamento com o time. Isso não tem sustentabilidade. É preciso pensar em ações que permitam ao líder uma comunicação constante e efetiva.”
Em um mundo de iniciativas mirabolantes — brindes personalizados, confraternizações temáticas, aplicativos de wellness — ainda é a comunicação o elo mais frágil na cadeia da liderança. Por quê? Porque ela exige constância, escuta ativa e presença real. E isso é cada vez mais escasso em um ambiente onde o tempo é moeda e a tecnologia, muitas vezes, afasta mais do que aproxima.
A Liderança 4.0 não ignora a tecnologia, mas a reposiciona como suporte para potencializar relações humanas. Segundo estudo do World Economic Forum, prevê-se que as competências tecnológicas cresçam em importância mais rapidamente do que quaisquer outras competências nos próximos cinco anos.

A geração do agora com líderes do ontem
De um lado, colaboradores que cresceram sob a lógica da agilidade, da gamificação e da resposta instantânea. De outro lado, líderes formados por um modelo vertical e conservador, onde autoridade era sinônimo de respeito, e o feedback vinha (quando vinha) em avaliações anuais.
O consultor Rodrigo Acras, especialista em Supply Chain e Liderança, traduziu esse abismo com uma frase que calou fundo na audiência:
“Quando o colaborador se surpreende com o feedback, ele é mais para você do que para ele.”
Em outras palavras, quando a comunicação é esporádica e o retorno é imprevisível, o colaborador sente que está ali apenas para cumprir ordens. Não há pertencimento. E sem pertencimento, não há inovação, lealdade ou engajamento.
Dados da Gallup mostram que apenas 21% dos colaboradores globalmente estão engajados no trabalho — um número preocupante, especialmente quando se sabe que empresas com altos níveis de engajamento são 23% mais rentáveis.
O relatório da Gallup também mostra que o engajamento dos gerentes caiu 3% no último ano. “Se os gestores estão desengajados, suas equipes também estão.”
A cultura do feedback e a liderança reversa
Feedback não é apenas dizer o que está certo ou errado. É criar uma cultura de troca. Sara Pavarini propôs a ideia da “liderança reversa”, onde o aprendizado acontece nos dois sentidos: líderes também ouvem, aprendem e se atualizam com seus times.
Essa ideia é respaldada por um conceito já difundido no ambiente corporativo: reverse mentoring, que promove mentorias entre profissionais seniores e colaboradores mais jovens, em que ambos ensinam e aprendem.
O desafio está em superar o ego e o medo da vulnerabilidade. Adotar uma postura de escuta ativa exige preparo emocional, disponibilidade e uma comunicação que vá além dos canais oficiais — e que transite por plataformas, linguagens e até memes, se necessário.
"A vida não é o que a gente viveu, mas o que a gente recorda e como recorda para contá-la" - Gabriel García Márquez. Essa frase reforça a importância da escuta ativa e empática: o que o outro está dizendo é mais do que palavras — é uma narrativa moldada por emoções e experiências únicas.
Os líderes devem entender que a forma como algo é dito pode ser mais poderosa do que os fatos em si. É aí que entra a arte de construir significados.
E existe dia e horário para o feedback? Ele deve ser solicitado. Não muito perto do momento em que ocorreu uma situação, e nem muito longe que não funciona mais.
O Grupo Philus compartilhou durante o talk que usa a sexta-feira para situações que precisam ser acertadas para as próximas tarefas. “Precisamos ter líderes que tenham empatia e profissionalismo.”
Rodrigo Acras destaca ainda que “O líder que deixa espaço na comunicação, vai ter esse espaço preenchido por alguém.”

Inteligência Artificial: ameaça ou aliada da liderança?
Rodrigo Acras foi enfático ao dizer que a inteligência artificial pode e deve liberar o cérebro humano para tarefas mais estratégicas e criativas.
Segundo ele, a IA precisa ser vista como parceira da liderança, não como sua substituta.
De acordo com a McKinsey & Company, a tecnologia pode automatizar até 30% das atividades nos próximos cinco anos, permitindo mais tempo para desenvolvimento de equipes, tomada de decisão e escuta ativa. Mas isso só acontece se o líder entender que tecnologia não substitui presença — ela otimiza, mas não humaniza sozinha.
A inteligência artificial pode cruzar dados de desempenho, prever padrões de comportamento e sugerir planos de ação personalizados. Mas ainda não é capaz de substituir um bom café entre colegas, uma conversa franca no corredor ou uma escuta sincera em um momento difícil.
Mateus, do Parque Estadual de Vila Velha, contou sua experiência na implementação de tecnologias no Parque: “Lá na empresa, gradativamente estamos inserindo tecnologias no Parque, mas frequentemente surgem debates sobre como implantar algumas ações. Para nós, tem sido desafiador implantar a IA.”
E a Sara enfatiza que esse é um processo que precisa ser pensado: “Como o fator humano vai responder à nova tecnologia”.
Conectar gerações é mais do que adaptar linguagem
A Liderança 4.0 exige fluência em múltiplas linguagens: do relatório técnico ao meme no Slack, da análise de dados ao “bom dia” no grupo do time. Mais do que multicanal, o líder precisa ser multissensorial — atento ao que é dito, mas também ao que não é.
Para liderar equipes compostas por pessoas com experiências, expectativas e valores tão distintos, não basta entender de tecnologia. É preciso entender de gente.
Como lembra a frase de Peter Drucker: “A cultura devora a estratégia no café da manhã.” E hoje, a cultura organizacional precisa se alimentar de empatia, escuta e diversidade geracional.
Mas, e quando essa conexão falha do outro lado? Quando é a equipe que não escuta a liderança? O Cláudio, da Inviolável, percebe que os programas e os assuntos se perdem ao longo do caminho: “Tem algo a ser implantado em relação à disciplina?”.
Para responder a esse questionamento, Sara diz que uma coisa fundamental é a resiliência. “Falar o óbvio todos os dias às vezes pode cansar, mas precisa ser incisivo.”
Estratégias práticas para a Liderança 4.0
O Talk da Inbix trouxe à tona não apenas reflexões, mas caminhos. Entre os pontos destacados por Sara e Rodrigo, podemos listar:
- Crie rotinas de comunicação clara e recorrente. Não espere a avaliação anual. Use a tecnologia para manter canais ativos, mas mantenha o tom humano.
- Implemente a cultura do feedback constante. Transforme o retorno em rotina, não em evento.
- Compartilhe conhecimento estratégico. Uma equipe empoderada entende os porquês, não apenas os comos.
- Use a tecnologia como ponte, não como barreira. Ferramentas digitais devem facilitar o diálogo, não substituir a presença.
- Promova a liderança reversa. Permita que os mais jovens compartilhem saberes e ofereçam insights.
- Desenvolva habilidades socioemocionais. A liderança do futuro será, cada vez mais, sobre empatia, escuta e inteligência emocional.

Conclusão: a provocação que virou missão
Como conectar pessoas e tecnologia em tempos de múltiplas gerações? A resposta não está em manuais prontos ou fórmulas mágicas. Ela começa com uma escolha diária: colocar o ser humano no centro, mesmo em tempos de inteligência artificial.
A Liderança 4.0 não é sobre dominar ferramentas, mas sobre construir pontes entre mundos que antes não dialogavam. E essas pontes só se sustentam com confiança, comunicação efetiva e aprendizado contínuo.
Enquanto houver líderes dispostos a ouvir, errar, aprender e evoluir — não importa a geração — haverá esperança de que o futuro do trabalho seja, acima de tudo, mais humano.
Por Mara Braun
Publicado em 26/05/2025 ás 15:45